Sergio Faraco      

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ENTREVISTA
O escritor que preferiu calar

 

            Entrevista

O ESCRITOR QUE PREFERIU O SILÊNCIO

Entrevista a Paulo Bentancur
(Revista Vox nº 0 - out. 2000)

Considerado um clássico vivo da literatura gaúcha, Sergio Faraco declarou há tempos que parara de escrever. Nesta entrevista ele afirma que seu silêncio não é resignado. Na verdade, é parte de um rigor responsável por contos exemplares, por um estilo e um pensamento únicos. O homem de olhar melancólico, de gestos discretos porém batizados de um forte e autêntico afeto, aposta no tempo e procura fugir do engano e da pressa semeados pelas circunstâncias.

Esses tempos você declarou que não ia escrever mais. Depois disso surgiram três contos, se não errei nas contas. Me diga: você os tinha gaveta, ou parar de escrever é como deixar de fumar, de beber?

Esses contos recentes não constituem uma volta, como quem pára muitas vezes de fumar. Não posso voltar a um lugar de onde nunca saí. Eu disse que não mais escreveria quando senti estar escrevendo contos que já não correspondiam ao que eu julgava ser o meu melhor, mas uma parte minha nunca se resignou e então não deixei de tentar, mesmo nos primeiros anos noventa, quando sentar à minha mesa me dava sono, tédio ou náusea. Escrevia e rasgava. Esses três contos ainda são, para meu gosto, meras tentativas. A diferença é que não rasguei e dois deles foram publicados no jornal.

Dizem por aí que você é o melhor escritor gaúcho vivo. Ao mesmo tempo, você declara que não escreve mais. Não parece justo, não? Como você convive com isso? Ou nem pensa no assunto?

Se alguém julga que um escritor é melhor do que outro, está exercendo o direito de ter uma opinião pessoal, mas as pessoas freqüentemente se enganam, seus juízos estão condicionados a uma escala singular de requisitos que, por sua vez, é afetada pelo que impõe a contemporaneidade. A literatura é um valor sem data e requer um juízo que exceda o circunstancial. O que hoje é considerado bom talvez não o seja amanhã e o grande contista gaúcho da atualidade pode ser alguém do qual ainda não ouvimos falar ou, quem sabe, ouvimos pouco ou mal. Quem na atualidade lê Humberto de Campos e Coelho Neto, que na primeira metade do século gozavam de prestígio nacional? Por outro lado, é justo que um escritor suspenda a pena ao considerar que seu trabalho está decaindo. O sentimento do leitor não vem ao caso, é um elemento estranho aos embates do autor com sua obra. Tenho convivido serenamente com esse impasse, não é do meu feitio correr atrás dos porquês, a não ser quando me perguntam e, por cortesia, tento responder. Quem fica pensando nisso são vocês, que perguntam tanto. Em noventa, escrevi aquele que, por muitos anos, seria meu último conto: o "Conto do inverno". Cinco anos depois, numa entrevista ao Jerônimo Teixeira, de Zero Hora, eu disse que deixara de escrever, o que era verdade, e que não escreveria mais, o que também era verdade. Era o que eu pensava, tanto que, na ocasião, estava publicando os "contos completos". Essa certeza, contudo, estava na minha mente, não no meu coração. Não me impediu de continuar tentando e, paradoxalmente, dificultando o êxito, como num suplício grego, pois quem traduz no ritmo que eu estava traduzindo acaba perdendo um pouco de seu rosto.

Como é que você se sente dentro da literatura brasileira? Tem algum parente literário, ou é um penetra numa festa de gente esquisita?

Apenas escrevo meus contos, isso quando posso e do jeito que posso, e nunca me perguntei se tenho ou não tenho um lugar na literatura brasileira, se estou alinhado com esta ou aquela corrente. Esses mundos têm uma órbita tão distante da minha que é como se não existissem.

Seus contos têm uma grande unidade: tema, forma. Você não tem vontade de virar a mesa lá pelas tantas e fazer uma coisa completamente diferente?

Um romance, talvez? O romance é uma espécie de maratona, podes errar aqui ou ali, mas dispões de tempo e espaço para te redimir. O conto é a vertigem de uma corrida de cem metros: se erras, não há redenção possível. Quero dizer, enfim, que ser um bom contista já é uma ambição desmesurada. Quando desejo fazer algo diferente vou jogar sinuca.

Fora do meio, tenho a impressão de que você não é conhecido acima do Mampituba, talvez até seja olhado como um escritor regionalista. Acho também que isso se deve a um problema editorial, apenas. Isso é certo?

Fora do meio literário sou pouco conhecido em muitos lugares, inclusive no Rio Grande do Sul e em Porto Alegre, mas essa situação não se explica por falha ou omissão de meu editor, que faz livros com capricho, com gosto, e tem uma distribuição nacional muito eficiente. Serão outros os motivos e nada sei a respeito deles. Por que deveria saber ou me preocupar com isso? Não é uma questão literária, de modo que ser pouco conhecido me afeta tanto quanto ser muito conhecido, isto é, nada.

O Ivan Lessa disse que nós, brasileiros, temos fôlego curto, com exceção de Euclides da Cunha. Você concorda? Tem idéia de por que é assim?

Temos muitos contistas, é verdade, mas temos também numerosos romancistas, muitos deles autores de alentados cartapácios que, na mesa, param de pé. Não penso, contudo, que se deva apreciar uma literatura segundo o peso que os livros acusam na balança. Bem, talvez eu não tenha entendido a pergunta ou o que a pessoa citada quis dizer.

Você tem traduzido bastante. Tem algum autor que você até pagaria para traduzir? Quem e por quê.

Em regra, nenhum autor, mas, por exceção, eu pagaria para publicar uma tradução de Mario Arregui. Sobre ser ótimo contista, era um homem de um desprendimento e de uma modéstia quase inconcebíveis neste amargo tempo de egoísmo, de descarado arrivismo, e um amigo de uma lealdade extraordinária. Uma das maiores emoções da minha vida foi descobrir que ele tinha uma fotografia minha em sua mesa de cabeceira.

Teoricamente, numa tradução, você está em liberdade condicional. Você infringe muito a lei? Quando e por quê.

Em minhas primeiras traduções freqüentemente eu alterava o texto. Entendia que o tradutor tinha de se preocupar mais com a qualidade literária do que com a fidelidade. Penso que isso ocorreu porque, na época, andei traduzindo livros de bons conteúdos que, infortunadamente, eram mal-escritos, e não conseguia sofrear o desejo de salvá-los. Era como se fosse o co-autor. Aos poucos fui aprendendo que devia restringir meu trabalho a uma transposição tão fiel quanto possível, sem desbotar as marcas pessoais do autor ou mascarar suas deficiências narrativas. Às vezes, contudo, o tradutor precisa intervir. Quando traduzi Roberto Arlt para a L&PM, um dos contos estava truncado, justamente o que dava título ao livro, "Armadilha mortal". Não havia como descobrir o que faltava. Era um texto inédito em livro, copiado de uma revista que perdera seis ou sete linhas cruciais para a compreensão da história. Aquela parte é minha. Com Arregui deu-se o contrário: linhas demais. Ele ainda vivia e concordou em suprimir meia página de uma inútil digressão. O conto se chama "O regresso de Ranulfo González", faz parte do livro A cidade silenciosa, publicado pela Editora Movimento, e é uma peça magnífica.

O computador mudou alguma coisa no seu trabalho, ou apenas na forma de trabalhar?

O computador, nas condições em que o utilizo - e exceto pelo correio eletrônico -, é apenas uma máquina de escrever encostada a um televisor. Raramente pesquiso na Internet. Os sítios comerciais são bons, mas os culturais, de um modo geral, são fracos. Alguns mais sofisticados se assemelham a um labirinto: o consulente se perde em seus corredores e quando, por fim, chega ao seu destino, encontra o que é óbvio, o que é notório, com a agravante de que é ministrado em pílulas. Ainda está longe o tempo em que a rede fará concorrência ao livro e a outras publicações culturais impressas. O computador, porém, ajuda num ponto. Antes eu escrevia à mão, depois datilografava o texto e, novamente à mão, fazia muitos cortes e alguns acréscimos, o que me obrigava a datilografar tudo de novo, vinte, trinta, quarenta vezes. Continuo escrevendo à mão, depois digito, imprimo e torno a trabalhar à mão, mas não preciso copiar tudo outra vez, basta atualizar as emendas e imprimir.

Como é fácil criticar uma antologia como essa dos cem melhores contos do século, não vamos criticar. Mas gostaria de saber: você acha que ela trouxe alguma novidade? A julgar por essa antologia, somos fracos em matéria de ação, com a exceção do Rubem Fonseca. Por que será isso?

Não li o livro, mas passei os olhos pelos nomes, pelos títulos. Como todas as antologias, inclusive as que fiz, há de refletir um gosto pessoal. Se eu fosse o organizador, não incluiria poetas de renome que jamais foram contistas. Mas quem organizou foi o professor Ítalo Moriconi e então deve prevalecer o gosto dele. Para me incluir, ele escolheu um conto que escrevi aos vinte anos.

Se não me engano, foi Ernesto Sábato que disse que o romance é um banquete e o conto é pão, quer dizer, é essencial e por isso não desaparecerá. Concorda?

Necessária é a literatura, os gêneros pelos quais ela se manifesta são contingentes. O antigo folhetim desapareceu, substituído pela novela de televisão. Com a Internet, a literatura ganha novo veículo, mas não imagino que repercussão essa novidade poderá ter nos gêneros literários, se é que terá alguma.

Aproveitando o tema, faça uma seleção dos teus dez contistas favoritos na literatura universal. E dez brasileiros. Dando um desconto, claro, que essas listas são uma simplificação e, em regra, por isso mesmo, injustas.

Entre os estrangeiros, li com emoção O. Henry, Tchékhov, Hemingway, Scott Fitzgerald, Bradbury, Robert Scheckley (Inalterado por mãos humanas), Bernard Clavel (O espião de olhos verdes), Borges, John Updike (Confie em mim), Onetti, alguns contos de Horacio Quiroga, outros de Arregui. Os contos de Hemingway nunca deixam de me encantar, pela densidade da atmosfera, pela contenção, pela verossimilhança dos diálogos. Entre os brasileiros, Dalton Trevisan, Lygia Fagundes Telles, Moacyr Scliar, José J. Veiga e Jaime Prado Gouvêa (Fichas de vitrola).

Qual o papel que acredita representar na ficção do Rio Grande, onde você se insere não só por morar aqui, também pelos temas? Simões Lopes Neto, Alcides Maya, Darcy Azambuja, Telmo Vergara, Luis Fernando Verissimo, Moacyr Scliar e Caio Fernando Abreu, para ficarmos nesses, são especialmente contistas, e bons. Qual seria teu lugar nessa lista?

Fico feliz por ser citado ao lado deles, só isso. Cada escritor tem seu próprio lugar, sua personalidade, sua trajetória e por isso não vejo conexão entre o que tenho feito e o que eles fizeram ou fazem. Simões Lopes e Darcy Azambuja eu li quando tinha vinte anos, não os reli e já nem me recordo de suas histórias. Alcides Maya e Telmo Vergara eu não li.

Há críticos mais rigorosos (talvez os melhores), que afirmam que um grande poeta, apesar das centenas de poemas que publicou, ficará lembrado pela meia dúzia, ou dúzia, que acertou em cheio. Machado de Assis, nosso grande contista, é citado por quatro ou cinco contos, não mais, embora tenha publicado cerca de 150 narrativas curtas. Seus Contos completos têm exatos 50 contos. Desses, quais os seis, ou três, ou um, já que você é extremamente exigente, que a seu ver dever permanecer mais do que os outros?

E algum permanecerá? Não se antecipam os juízos da posteridade. Talvez eu tenha sido feliz em certos momentos, conseguindo fazer a história precisamente como a sentia, mas os contos aos quais atribuo mais valor são, em regra, aqueles que me deram mais trabalho. Isso não quer dizer que o resultado tenha sido convincente, mas que resultou tão convincente quanto possível, no estrito limite de sua circunstância. O que dizer, por exemplo, de um conto como "Um dia de glória"? É um instantâneo de duas páginas, sem maior expressão, mas levei vinte e cinco anos para terminá-lo. Foi como salvar um filho de uma longa enfermidade.

Alguém disse que há grandes escritores que se sentem muito mais lisonjeados quando recebem um elogio pelas suas incursões na culinária, ou na marcenaria, do que com uma crítica favorável. Sabendo que você é um bom jogador de sinuca, pergunto: você se enquadra nessa? Quer dizer, não preferia estar no ranking da sinuca do que na Academia Brasileira de Letras? Por quê?

Na Academia eu não gostaria de estar. Tenho amigos lá, como Lêdo Ivo, Carlos Nejar, Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon, mas a Academia não combina com meu temperamento. A literatura, no entanto, é uma razão de vida, sem ela eu me sentiria como aqueles velhos de Swift, vegetando, esperando a morte chegar. A sinuca é outra coisa, é apenas um lazer e dizer que sou bom há de ser uma calúnia do Flávio Del Mese, ou do Nelson Jungbluth, ou do Xico Stockinger, ou dos três juntos.

Falando nisso, não acontece com a sinuca o que acontece com o futebol? Muitos apreciadores e poucos textos? Se é assim, por quê? O João Antônio pegou mesmo o clima ou Perus, malagueta e bacanaço é coisa de turista?

João Antônio conhecia a atmosfera dos salões suburbanos. Seu conto "Meninão do caixote" é bonito e verossímil. Mas a sinuca, nos dias correntes, não é um jogo próprio desses antros de malandragem, praticado por sujeitos de boné e um cigarro no canto da boca. Aliás, nunca foi, mas era o que se pensava. Com a divulgação que hoje se dá aos grandes torneios, as pessoas já perceberam que é um esporte como qualquer outro e perfeitamente organizado, com regras definidas, com federações estaduais subordinadas a uma federação nacional. Na Inglaterra e nos Estados Unidos é um esporte popular, mas no Brasil o número de praticantes e apreciadores é reduzido. São raros os escritores que jogam ou gostam do jogo. Que eu tenha conhecido, só João Antônio e Luiz Vilela. Na literatura universal sempre se encontram referências. Até em Shakespeare, no Ato II de Antônio e Cleópatra. O primo Basílio, do Eça, também joga, e há uma cena engraçada em que o taco do Visconde Reinaldo dá uma sonora pifada. Você vê o jogo também em Tennessee Williams (Um bonde chamado desejo) e em muitos outros. Maria Stuart jogava bilhar. Mozart também. Pergunta ao Assis Brasil, ele vai te dizer exatamente o trecho da Flauta mágica que Mozart compôs durante uma partida de bilhar.

A partir sobretudo de Kafka, os modernos usam o conto como uma plataforma existencial, tendendo ao poético e ao filosófico. Você parece que acredita mais no velho conto bem-feito. Qual a sua idéia a respeito? Que é o conto para você, ou seja, o conto que pode e quer fazer?

Não escrevo contos para que sejam de tal ou qual modo, eu os escrevo, simplesmente. Em regra meu ponto de partida é algo que o ato de escrever me ajuda a compreender. Em outras palavras, o óbvio: a espécie de conto que eu escrevo é aquela que é ditada pela história que ele conta.

Você lê, principalmente, argentinos e uruguaios. Quais poderia considerar como exemplos? Quiroga, Arregui, Morosoli, se sabe, você os traduziu. Mas Borges, Cortázar, Abelardo Castillo, enfim, os pós-kafkianos têm importância para você?

Nos anos setenta também traduzi Borges para o Caderno de Sábado do Correio do Povo e Cortázar para Zero Hora, mas é um equívoco pensar que sou um grande leitor de argentinos, uruguaios, paraguaios ou venezuelanos, pelo fato de ter trabalhado com certo número deles. Conheço os autores que traduzi e outros poucos que pensei traduzir e não o fiz, como os uruguaios Paco Espínola e Felisberto Hernández. Não sou um bom leitor de contos, exceto daqueles autores que citei anteriormente. Prefiro ler romances. De uns anos para cá, tenho lido bastante os gregos. Acabo de reler a Ilíada e a Odisséia.

Uma coisa curiosa que poucos notaram é que se pegarmos todos os teus livros de contos, sempre há contos que se repetem de um volume para outro, o que configura uma forma original de organizares as coletâneas. Qual exatamente a intenção disto?

Não é deliberado, não existe uma intenção. Se republico um conto é porque, considerando-o deficiente, andei tentando melhorá-lo. Nos Contos completos modifiquei todos os cinqüenta que ali estão. Três anos depois, em Dançar tango em Porto Alegre, aproveitei a oportunidade para melhorar o que podia. São modificações nem sempre perceptíveis: um ponto que troca de lugar, supressão ou substituição de uma palavra indevidamente repetida, orações que se sintetizam ou cuja tônica precisa ser deslocada e assim por diante, para fazer do conto uma peça harmoniosa e natural. Escrever, para mim, é esse afã de dizer com melodia. Refiro-me ao que busco, não ao que tenho conseguido.

Quando se pensa em Sérgio Faraco, pensa-se em conto, e numa atitude quase de samba de uma nota só (no sentido de rigor), tipo João Gilberto na música e Dalton Trevisan na literatura. Mas publicaste dois livros de crônicas ("O chafariz dos turcos" e "A lua com sede"), e dois livros de ensaios, "Urartu" e "Tiradentes: Alguma verdade". Os ensaios, sobretudo o Tiradentes, foram polêmicos, a merecer, portanto, comentário, e as crônicas chegaram a ganhar prêmio ("A lua com sede"). Daí ser necessário romper um pouco essa supremacia esmagadora da fortuna crítica debruçada em teus contos (o que é justo), e pedir que discorras um pouco sobre como vês o ensaio e a crônica na tua produção.

A crônica me distrai e não provoca o desgaste emocional que, no meu caso, é próprio da elaboração de um conto. Algumas aproveitam lembranças de minha mocidade em Alegrete, outras resultam de minhas leituras de história antiga, especialmente a da Grécia, que é generosa em fatos pitorescos. Os outros livros citados são de distinta extração e exigiram muito esforço, muita tenacidade. Em 1964, quando eu vivia em Moscou, visitei a região do antigo reino de Urartu - ou de Ararat, como refere a Bíblia -, contemporâneo de assírios e babilônios, e ao mesmo tempo em que me compenetrava da sua relevância na história do Fértil Crescente, não entendia por que sua presença e seu papel eram omitidos na maior parte dos compêndios do Ocidente, ou tratados tão-só como um primeiro capítulo da história dos armênios. Levei 14 anos para terminar o livro. Quando o publiquei, foi adotado no Curso de Armênio da USP. Para escrever sobre Tiradentes - e não foi apenas um livro, foram três - li quase tudo o que se escreveu sobre ele e especialmente os Autos de devassa da Inconfidência Mineira, que em sua segunda edição têm dez volumes com centenas de páginas cada um. Tanto o primeiro livro, escrito com uma veemência que o prejudicou, como os seguintes, suscitaram muitas reações adversas, marcadamente quando se comemorou o bicentenário daquele triste e patético episódio.

Agora um pouco de fofoca: Capitu traiu ou não traiu?

Dalton Trevisan escreveu um estupendo artigo, cuja leitura leva a crer que o romance não se justifica sem a traição. Mas deve-se levar em conta, penso eu, que a narrativa se desdobra do ponto de vista do marido suspeitoso e que os indícios, por isso mesmo, se podem ser reais, também podem não sê-lo. Iago, em Otelo, diz algo que se aplica: "As ninharias leves como o ar, para quem tem ciúmes, são verdades tão firmes quanto trechos da Sagrada Escritura". Essa discussão, a meu ver, é irrelevante. Um dos pilares desse grande romance é justamente a perpetuação da dúvida.

Outubro/2000